sexta-feira, julho 23

Aniversário

Juana, guerrilheira da ALN, minha mãe


60 anos de idade, completo hoje. Há décadas atrás, durante a guerrilha urbana de resistência à ditadura, ninguém apostaria na minha sobrevivência. Talvez nem eu mesmo, apesar de ter sempre guardado uma certeza dentro de mim, vinda de não sei onde, de que sairia vivo, ao menos para contar o que presenciei no olho do furacão.




No dia de hoje, ao despertar, lembrei daqueles que, sofrendo torturas da pior espécie, me preservaram. Muitos companheiros, ao cair, tinham pontos de encontro comigo que a repressão nunca soube, outros tinham informações que, bem trabalhadas pelo inimigo levariam à minha queda, e estou aqui vivo. Sempre que me perguntam se tive sorte ou fui competente, para conseguir escapar, digo primeiro que devo minha vida a estes companheiros.



Com eles aprendi, pois souberam ensinar-me, sobre lealdade, sacrifício, dedicação e vontade de mudar o mundo.



Em 1974 encontrava-me na Europa, vindo de Cuba, para tentar realizar um Congresso da ALN no exílio, tarefa que me fora confiada pelo coletivo da Organização que morava em Havana. Tratava-se de tentar juntar os cacos e decidir novos caminhos. Voltaria ao Brasil para retirar companheiros ainda clandestinos, entre os quais minha mãe, Maria da Conceição Sarmento Coêlho da Paz, a Juana da ALN.



Um pouco antes de meu aniversário, minha mãe caiu nas mãos da repressão. Como todos naqueles tempos, foi torturada. Muito torturada. O delegado Fleury desejava minha cabeça, e tinha minha mãe em suas mãos. Juana sabia que eu estava fora do país, mas decidiu não dizer. Quanto mais apanhava, mais resistia. E não disse nada. No dia 23 de julho, colocaram um traidor na cela ao lado para destruir o moral dela, e nada. Mandaram um outro traidor bater nela, e nada. Aliás, os dois estão vivos por aí.



Minha mãe me ensinou a coragem. Nascida Maria da Conceição e tornada Juana, guerrilheira da ALN por opção revolucionária, sobreviveu. Um dia em Paris, cidade de meu exílio, na única vez em que ela me contou sua vida na prisão, quando perguntei por que, para minorar seu sofrimento na tortura, não tinha contado que eu estava fora do Brasil, ela me disse: “Sou sua companheira de Organização e sua mãe, como iria entregá-lo? E mais não disse, nem lhe foi perguntado.



Dedico meus 60 anos a Juana, companheira da ALN, minha mãe, uma das mulheres que foram à luta nesse país, embora disso não haja registro nos livros oficiais.

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