terça-feira, setembro 21

A música me reconstruiu

Pedro Quental, aluno, colega, amigo músico



Minha ligação com a música vem desde que era menino e deitava no chão da sala de nossa casa em Maceió para ouvir Zequinha de Abreu com meu pai.




Geralmente ao cair das tardes de domingos calorentos, depois da partida dos parentes queridos que viessem compartilhar conosco, Carlos, meu pai, montava a eletrola e ouvíamos de tudo um pouco: o Bolero de Ravel, o Rei da Voz Francisco Alves, Chopin, Chiquinha Gonzaga e muitos outros. O repertório era variado, porém Zequinha de Abreu não podia faltar. Nossa preferida era a valsa brasileira Branca. Até hoje quando a ouço as lágrimas escorrem de felicidade.



Outro rei que me fazia arrepiar era Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.



“... Vai boiadeiro que a noite já vem...

Guarda o teu gado e vai pra junto do teu bem...”



Quando queimei o corpo com a água fervente que escaldava a chupeta, só parava de chorar ouvindo Branca e a voz potente e bem-humorada de Gonzagão anunciando a noite de amor depois do dia de labuta no campo.



Fui crescendo e a paixão pela música foi aumentando. Aos oito anos comecei a aprender piano com a professora Luiza, aos doze fui a São Paulo com meu pai para comprar um violão na fábrica da Del Vecchio. Escolhemos um que me acompanhou até que minha casa foi invadida pelo Exército Brasileiro em 1969. Ainda bem que consegui tirá-lo de casa a tempo e dar de presente ao César, filho de Marlete, empregada, amiga, mãe postiça e solidária nas lutas da família contra a ditadura.



Entrei na clandestinidade e tive que abandonar os instrumentos. Não a música. Em todos os carros da ALN eu ligava o rádio e deixava o som entrar. Mesmo durante as ações armadas, lá estava o rádio ligado. Era Paulo Diniz, Sérgio Sampaio, Shocking Blue, Beatles, Mutantes, Elis Regina, Edu Lobo...



Anos depois, a ALN exterminada fisicamente, alquebrado pelas perdas e pela dureza da guerra, em Paris, cidade de exílio, com vinte e três anos e uma vida pela frente, tinha uma decisão a tomar. O que eu ia ser quando crescesse? Mergulhei na música. Fui tomar aulas de violão com Murilo Alencar e de Harmonia com Pierre Doury, saí pelos bares e bailes da vida, ganhando o pão e reconstruindo as emoções.



Muito mais do que profissão, a música foi o reencontro com a felicidade. Mais tarde descobri-me professor de música. Um bom professor. Melhor do que músico. Durante vinte anos dei aulas e nem tenho idéia de quantos alunos ajudei a formar. Pois acabei de receber uma lição de um deles, ao abrir minha caixa de mensagens.



“Continuo te dizendo, vamos falar de cultura, você não pode jogar fora todos os anos em que viveu e militou pela cultura deste país.”



“Porra Dom, eu tenho intimidade contigo pra te dizer que espero uma postura mais moderna da tua campanha, meu amigo. A democratização dos meios de comunicação, a democratização do acesso à Cultura.”



“Então pensa nisso, Dom. E mostra o artista dentro de você, não só o cara da Guerrilha, que tanto nos orgulha, mas também o grande professor de arte, de música e enfim, o grande professor de humanidade que você sempre foi e tenho certeza que sempre será. Quero ver esse teu lado exaltado, pois no momento em que ele aparecer tenho certeza que muitos haverão de se juntar a essa corrente também.”



“Um abraço enorme deste teu amigo e eleitor incondicional, mas que como você mesmo sempre me ensinou nunca vai abaixar a cabeça e deixar de contestar algo que tá no meu modo de ver errado, ou ultrapassado...

Quebra tudo, DOM!!!!!!!”



Você tem razão, Pedro Quental. Valeu a bronca, estava mesmo me esquecendo da música, da poesia, dos versos, dos sons. Não vinha falando de como são fundamentais a cultura e a arte. Importante para o florescimento dos seres humanos, para torná-los melhores, mais íntegros, conscientes, solidários e felizes.



Não há como ser feliz sem a arte, e o acesso a ela é essencial para a libertação de nosso povo. Assumo a tarefa que você me dá nessa mensagem sincera como podem ser sinceras as relações entre dois músicos. Que foram professor e aluno, depois colegas, e sempre amigos.



Solte a voz nos palcos, Pedrão, que eu soltarei nas minhas tribunas de hoje, em defesa da cultura e da arte, lutando pelo acesso ao aprendizado e ao exercício da profissão.



E uma hora dessas vamos nos sentar em frente ao outro para tocarmos As Vitrines do Chico. Só não se esqueça de trazer aquela harmonização de anos atrás, que não a tenho mais na memória.



• Pela valorização do músico;

• Direitos autorais a quem de direito;

• Contra o lucro excessivo e indevido das sociedades arrecadadoras;

• Aulas de música nos currículos das escolas públicas, com remuneração justa para os professores.



Convido meus companheiros músicos a enriquecerem o debate e a agregarem reivindicações ao meu programa de mandato.



Carlos Eugênio Clemente – 4019

Combatente da Guerra e da Paz

Com alma de músico

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